27/06/2016

ARTIGO FG

Para além de pagar a premiação dos grupos culturais: uma utopia?
O calendário cultural parnaibano inclui entre seus principais eventos, o carnaval (desfile de escolas de samba e blocos) e as festas juninas (Arraial São João da Parnaíba). Em ambos, a Prefeitura Municipal estimula e patrocina uma competição entre os diversos grupos culturais da cidade que se inscrevem para concorrer a uma atraente premiação em dinheiro. Esse estímulo à busca dos prêmios provoca uma maior participação e mais investimento, tornando os eventos mais encantadores.
Enquanto política pública, a iniciativa da prefeitura ganha importância porque transcende à simples culminância das festividades. Os grupos culturais que se envolvem no calendário fazem um trabalho social que nem mesmo a prefeitura tem a dimensão, ou pelo menos não se tem notícia de que haja uma valorização neste aspecto ao ponto de acompanhar os ganhos sociais que chegam aos jovens envolvidos na atividade cultural. Em um mundo onde a falta de oportunidade e apoio à juventude, a arte e a cultura, ganham um papel preponderante na inclusão social, sendo instrumento de mudança de atitudes e comportamentos que podem elevar a qualidade de vida das pessoas. Será que a administração municipal tem a clareza de que mergulhar na reflexão das ações ligadas à área cultural e artística podem contribuir para a inclusão das pessoas que vivem praticamente à margem da sociedade?  Cabe também indagar: que tipo de diálogo é travado entre o poder público e os grupos culturais da cidade?
As premiações serviriam para estimular a qualidade dos eventos culturais. Ocorre que desde o governo do então prefeito Paulo Eudes que a administração municipal paga os grupos vencedores da disputa com atraso médio de 6 meses. Se de um lado a prefeitura acerta em manter o calendário cultural, por outro erra feio ao não corresponder com o pagamento da forma como deveria.
O que não se concebe do ponto de vista do planejamento orçamentário e financeiro é que há anos o drama se repete. Pois, se demanda um investimento razoável para produzir uma apresentação na qualidade da que se vê aqui: boi, quadrilha ou mesmo bloco de carnaval. Sem caixa e sem apoio, os abnegados que fazem os grupos culturais recorrem ao comércio local que fornece o necessário para a produção com o compromisso de receber depois. Como já está “estabelecido” que a prefeitura vai atrasar a premiação, o comércio majora seus preços conforme o atraso. Existem registros de que alguns recorrem até ao extremo de captar recursos com pagamento de juros abusivos!
A pergunta que não quer calar: por que a prefeitura não se organiza para pagar as premiações no ato da divulgação do resultado, como foi assim na administração Paulo Eudes? Alguns vereadores têm feito reiteradas cobranças da Tribuna da Câmara, sem nenhum sucesso. O prefeito paga quando quer!
Como prejuízo maior está a desmotivação destes grupos. Toda a dificuldade humilhante de ter que correr atrás do pagamento após cada temporada tem reflexo negativo direto: alguns grupos culturais se manifestaram recentemente afirmando que pretendem encerrar seus trabalhos, pois não há como produzir arte e cultura com estas condições.
O fomento a essas manifestações deve ser objeto de mais cuidado. Estamos perdendo o que há de mais importante neste processo: a participação social. Com um detalhe: a rigor, são as comunidades menos favorecidas que estão fazendo a grandeza destes eventos que a prefeitura tanto se vangloria.  E o público, carente de opção de entretenimento, comparece maciçamente a esses eventos. E se eles acabarem?!
O poder público deveria, ainda, prestar a atenção no fato de que as pessoas se envolvem de tal maneira no grupo cultural extrapolando para além do fazer do bumba-meu-boi, quadrilha ou bloco carnavalesco. Nos grupos são disseminados valores como cidadania, solidariedade e harmonia. Ao modo de cada conhecimento que detêm e muitas vezes sem se dar conta disso. Aqui poder-se-ia instrumentalizar o enraizamento desses valores como elementos básicos de convivência e crescimento pessoal, especialmente aos jovens, cada vez mais vulneráveis às armadilhas que cercam a nossa sociedade com o olhar complacente das nossas autoridades!
A cultura, apesar deste quadro, sempre está presente nas comunidades, o que talvez não tenha (e que deveria ser o questionamento correto) é a fruição (apreço, aproveitamento da arte) e o fomento artístico nesses setores, e isso é um problema do Poder Público, ele tem que observar, entender e discutir com as comunidades como é a melhor forma de suprir essas necessidades de apoio à criação e produção e também como criar oportunidades para que todos tenham um bom acesso à criação artística e possam apreciá-la.
Não é possível que uma única iniciativa (pagar e pagar com atraso) se apresente como “a” política pública municipal de cultura. Deve-se levar em conta toda a diversidade de ações e linguagens que a Parnaíba possui! Temos um campo fértil para a produção cultural, necessitamos entender melhor a nossa dinâmica regional e fomentá-la de forma concreta! Utopia?!

(*) Fernando Gomes, sociólogo, eleitor, cidadão e contribuinte parnaibano.

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